Publicado em junho na revista científica Nature, o estudo comprovou que algumas áreas da floresta amazônica são mais resilientes à seca que outras Por Josiane Santos Comunicação do Programa LBA/Inpa-MCTI Fotos: João M.Rosa (AmazonFace) e Débora Vale (Ascom/Inpa) |
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Algumas regiões da floresta amazônica têm respostas distintas à seca, dependendo da profundidade do lençol freático, da fertilidade do solo e das características das árvores, como altura e a resistência à seca. Esta é a conclusão de um estudo com participação do pesquisador Bruce Nelson, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), e de outros pesquisadores colaboradores do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA/Inpa-MCTI). O artigo, intitulado “A biogeografia da floresta amazônica prevê resiliência e vulnerabilidade à seca”, foi publicado em junho na revista científica Nature. |
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O grupo de pesquisadores analisou dados sobre o comportamento das florestas sempre-verdes e intactas diante de secas entre 2000 a 2020 em três áreas da bacia amazônica: a região noroeste, caracterizada por ausência de estações secas; o Escudo das Guianas ao norte, que inclui partes dos estados do Amazonas, Pará, Roraima e Amapá; e a Amazônia Meridional, que possui solo mais fértil e a região mais seca. Durante esse período, três intensas estiagens ocorreram na região amazônica nos anos 2005, 2010 e a mais ampla em 2015/2016. Os pesquisadores utilizaram dados de satélite de sensoriamento remoto para avaliar a capacidade da floresta em fazer a fotossíntese durante a seca nas regiões mais atingidas. Fatores relevantes incluem a profundidade do lençol freático, a fertilidade do solo e a altura da vegetação (este último como indicador de profundidade das raízes). O estudo concluiu que diferentes tipos de florestas são mais resilientes à seca. Importância dos lençóis freáticos Áreas com lençóis freáticos rasos ocupam 50% da Amazônia e são mais extensas ao sul e oeste da Amazônia. Nessas regiões, as florestas com raízes rasas são protegidas contra a seca pelo seu acesso ao lençol. Bruce Nelson explica que o mecanismo de morte das árvores no período de seca é a cavitação do xilema, vasos que conduzem água e sais minerais das raízes para outras partes da árvore. A cavitação ocorre no interior do xilema com a formação de bolhas de ar, bloqueando o transporte de água entre as raízes e as folhas. No sul da Amazônia, os solos são mais férteis, as florestas crescem mais rápido e há menos resistência à cavitação nos vasos do xilema. As florestas, nesta região, são dependentes de lençois freáticos rasos que são mais extensos. A pesquisadora Flávia Costa, do Inpa, é coautora de um outro artigo que reforça a importância da conservação das áreas de lençóis freáticos rasos. Segundo a pesquisa, intitulada “‘O outro lado da seca’ nas florestas tropicais: as regiões de lençois freáticos rasos na Amazônia funcionam como refúgios hidrológicos em larga escala contra a seca?”, essas regiões oferecem melhores condições hídricas durante os períodos de estiagens. São áreas protegidas das secas atuais, mas são vulneráveis às mudanças climáticas, caso estas mudanças afetem a profundidade do lençol freático. Ao norte, no Escudo das Guianas, o lençol freático tende a ser mais profundo, os solos menos férteis, crescimento mais lento das árvores, madeira mais densa e com vasos mais estreitos que, junto com as raízes profundas, propiciam resistência à cavitação durante as secas. As florestas mais altas e com raízes mais profundas são mais resilientes à seca, independente da profundidade do lençol freático. Ciclo hidrológico O artigo também alerta sobre a importância das florestas para a integridade dos ecossistemas, tanto na bacia amazônica quanto nas demais regiões. As florestas são essenciais para manter a evapotranspiração, fundamental para o ciclo da água e para o transporte de água da Amazônia para o Cerrado. "Quando falamos que a Amazônia está em risco, falamos como se fosse uma coisa só. Esta pesquisa mostra que a Amazônia é um mosaico complexo em que algumas partes são mais vulneráveis à mudança climática do que outras, e procura explicar o porquê. Isso é fundamental para entender o sistema e, em última análise, protegê-lo", destaca a primeira autora do artigo, Shuli Chen, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona (EUA). A região sul da Amazônia integra a área denominada de arco de desmatamento, onde são registrados os maiores índices de desmatamento. Compreende a área que vai do oeste do Maranhão e sul do Pará em direção ao oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. “O desmatamento está agravando a falta de chuva durante o período seco no sul da Amazônia. As regiões mais desmatadas têm menos chuvas durante o período seco e a seca é mais prolongada”, alertam os pesquisadores. As florestas remanescentes na região sul – com solos mais produtivos para a agricultura – estão em maior risco diante secas mais longas e/ou mais frequentes, pois têm menor resistência natural à seca. Acesso ao artigo disponível aqui. Autores: Shuli Chen, Scott R. Saleska, Hongseok Ko, Marielle N. Smith e Natalia Restrepo-Coupe, todos da Universidade do Arizona (EUA); Scott Stark da Universidade do Estado de Michigan (EUA) e é membro do Comitê Científico do LBA; Antonio Donato Nobre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Luz Adriana Cuartas e Diogo de Jesus Amore, ambos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN); Rutuja Chitra-Tarak do Laboratório Nacional de Los Alamos (EUA); e Bruce Nelson do Inpa. Artigo científico Chen, S., Stark, S.C., Nobre, A.D. et al. Amazon forest biogeography predicts resilience and vulnerability to drought. Nature 631, 111–117 (2024). https://doi.org/10.1038/s41586-024-07568-w |