O dossel é a camada superior da floresta, onde as árvores são mais altas, e o sub-bosque é a camada inferior, com árvores menores.
Por Josiane Santos
Comunicação do Programa LBA
Fotos: acervo da pesquisadora
Um estudo publicado na revista Tree Physiology, revelou que árvores do dossel, mais altas e com raízes profundas, mantêm um controle hídrico constante (isohídrico) devido ao acesso estável à água, enquanto árvores do sub-bosque, menores e com raízes superficiais, permitem maior variação na umidade das folhas (anisohídrico), especialmente durante a seca.
O estudo intitulado Preservando a isoidricidade: a variabilidade ambiental vertical explica as estratégias de uso da água na floresta Amazônica foi conduzido por Deliane Vieira Penha de Oliveira, primeira autora do artigo e também coordenadora do projeto "Quais características de árvores tropicais melhor indicam vulnerabilidade às mudanças globais?”, associado ao Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA/Inpa-MCTI). Deliane Penha é pós-doutoranda no programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
O estudo foi realizado na Floresta Nacional do Tapajós (Flona Tapajós), no município de Santarém, no Pará, próximo da Torre Micrometeorológica K67 do LBA. Na Flona Tapajós, as árvores apresentam características de dossel fechado, ou seja, máximo de altura 40 a 45 metros, e cercado por árvores pequenas no sub-bosque, com média de altura de 20 metros.
De acordo com a pesquisadora, compreender as estratégias de uso de água das árvores é crucial para prever como as florestas responderão às mudanças no clima. “E essa compreensão pode nos ajudar a identificar quais espécies são mais vulneráveis ao estresse hídrico, com implicações para o desenvolvimento de práticas de manejo que promovam a proteção desses grupos. Além disso, podemos avaliar os impactos dos serviços ecossistêmicos desses grupos para manutenção das chuvas e ciclos biogeoquímicos e melhorar os modelos que preveem o ciclo hidrológico e o clima regional, incorporando as respostas fisiológicas das árvores às variações ambientais”, afirma Penha.
A demanda de pressão por vapor (VPD, sigla em inglês) juntamente com a disponibilidade de água no solo interferem nas estratégias de uso da água das árvores da Amazônia. A cientista explica que a demanda de pressão por vapor é a diferença entre a quantidade de vapor d'água presente no ar e a quantidade máxima que o ar pode conter quando está extremamente úmido. “Em termos simples, é uma medida da ‘sede’ da atmosfera por vapor d'água. A variabilidade no VPD indica as flutuações nessa demanda ao longo do tempo e em diferentes condições ambientais. Um VPD elevado sugere que a atmosfera pode potencialmente extrair mais água das superfícies, incluindo das plantas, por meio, principalmente, das suas folhas pela transpiração”, explica Penha.
As plantas têm os estômatos localizados normalmente na parte de baixo das folhas. Eles são responsáveis por controlar a troca de gases (oxigênio e gás carbônico) com o ambiente e também a perda de água por evaporação.
As plantas usam duas estratégias de uso da água denominadas isohídria e anisohídria. A escolha da estratégia depende da interação entre as características das plantas, a exemplo a profundidade das raízes, e as condições ambientais como a oferta de água no solo e a variação do VPD.
De acordo com a bióloga, as plantas que usam estratégia isohídria tentam manter sua quantidade de água estável, mesmo em período mais seco ou quando há mais evaporação da água, fechando os estômatos para evitar a perda da água. Já as plantas anisohídricas, a quantidade de água varia, ou seja, continuam perdendo água das folhas mesmo em período chuvoso.
“Em nosso estudo, essas estratégias foram analisadas em diferentes estratos[faixas de altura das árvores] da floresta Amazônica na região do Tapajós. Nós usamos esses conceitos para avaliar as estratégias de uso da água por árvores que ocupam diferentes posições na estrutura vertical da floresta (árvores de dossel, meio do dossel e do sub-bosque) porque observamos que faltava na literatura uma classificação que levassem em conta medidas direta de controle estomático, bem como, os principais determinantes da transpiração: seca do solo e da atmosfera”, destaca a cientista.
Segundo Penha, o fato das árvores do sub-bosque não contribuírem com grande estoque de carbono como as árvores de dossel e limitar abordagens de satélite faz com que árvores menores da floresta sejam negligenciadas em estudos que avaliam a resiliência da floresta.
A pesquisadora ressalta a importância de expandir estudos em diferentes tipos de florestas na Amazônia, pois cada floresta apresenta diferentes características climáticas ao longo da bacia como o regime de precipitação, condições físico-químicas do solo. A exemplo, a própria Flona Tapajós que tem estações seca mais longas, cerca de 5 meses.
Parceria com o Programa LBA
Com o apoio logístico do LBA, a equipe da pesquisadora compartilhou conhecimentos adquiridos durante a pesquisa com as comunidades de Marituba e de São Domingos, ambas na Flona Tapajós.
Deliane Penha coordena o projeto "Quais características de árvores tropicais melhor indicam vulnerabilidade às mudanças globais?” associado do LBA. O projeto tem por objetivo pesquisar a vulnerabilidade das árvores da região amazônica ao período de seca. Incluindo a investigação de características químicas e hidráulicas, pretende realizar experimentos com mudas para avaliar a relação com a mortalidade induzida por seca. As pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto podem orientar nas estratégias de manejo sustentável, de conservação da biodiversidade e de mitigação das mudanças climáticas nos ecossistemas tropicais.
O projeto recebe o apoio logístico do Programa LBA e financeiro do Instituto Serrapilheira.
Autores
Deliane Penha, Anderson Meneses e José Mauro S Moura, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa); Mauro Brum e Rafael S Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Luciana F Alves, da Universidade da Califórnia (EUA); Tomas F Domingues, da Universidade de São Paulo (USP); Rardiles Branches, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Pedro ACL Aurélio Pequeno, da Universidade Federal de Roraima (Unir); Natalia Restrepo-Coupe, Neill Prohaska, Scott R Saleska, da Universidade do Arizona (EUA).
Artigo
Deliane Penha, Mauro Brum, Luciana F Alves, Tomas F Domingues, Anderson Meneses, Rardiles Branches, Natalia Restrepo-Coupe, Rafael S Oliveira, José Mauro S Moura, Pedro ACL Aurélio Pequeno, Neill Prohaska, Scott R Saleska, Preserving isohydricity: vertical environmental variability explains Amazon forest water-use strategies, Tree Physiology, Volume 44, Issue 8, August 2024, tpae088, https://doi.org/10.1093/treephys/tpae088