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Tecnologia social leva água potável a comunidades amazônicas a partir da chuva

Publicado por Josiane Santos | Publicado em 04/11/25 16:15 , Atualizado em 10/11/25 14:18 | Acessos: 124

Sistema desenvolvido por pesquisadora da UFRA e integrante do Comitê Científico do LBA oferece solução sustentável e de baixo custo para o acesso à água na Amazônia (Foto Vanessa Monteiro - UFRA)

Por Josiane Santos - LBA/Inpa

Fotos: Vanessa Monteiro (Ascom/UFRA) e acervo pesquisadora          

Em uma das regiões mais abundantes em água no planeta, muitas comunidades amazônicas ainda enfrentam dificuldades para acessar água potável. No estudo desenvolvido por Vania Neu, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e integrante do Comitê Científico do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA/Inpa-MCTI), desenvolveu um sistema de captação e armazenamento de água da chuva adaptado à realidade socioambiental da região. 

O sistema capta a água da chuva dos telhados das residências e é armazenada em cisternas ou reservatórios de fibra de vidro. A tecnologia já foi implantada em comunidades da Ilha das Onças (Barcarena-PA), Ilha do Combu (Belém-PA) e Marapanim (PA), e está em fase de implantação nas aldeias Tembé Herekohaw (Santa Luzia do Pará) e Ariabu (São Gabriel da Cachoeira-AM). Ao todo o sistema tem a previsão de beneficiar com água potável mais de 2 mil pessoas.

“O sistema de captação e armazenamento de água da chuva traz maior autonomia e resiliência aos moradores quanto ao acesso à água potável e as adaptações às mudanças climáticas em curso. É uma tecnologia social, implantada no próprio local – próximo ao consumo –, o que reduz as dependências de longos deslocamentos das comunidades  para o acesso à água potável. Muitas comunidades dependem da entrega de quantidades muitas vezes, insuficiente e incerta, para atender toda a família”, destaca a coordenadora do Laboratório de Hidrobiogeoquímica da UFRA, Vania Neu. 

Baixo custo e alto impacto social

A tecnologia é de baixo custo, sustentável e de fácil manutenção. O investimento médio de implantação é de cerca de R$8 mil reais. Além da implantação em conjunto com a comunidade a equipe também elaborou uma cartilha com instruções de instalação e manutenção. Para os os que desejam instalar um sistema, a cartilha traz um passo a passo detalhado e assim a tecnologia consegue chegar a inúmeros locais, onde a equipe de pesquisa não consegue. 

O sistema foi desenvolvido no âmbito do projeto “Avaliação de uma tecnologia social que promove água potável para ribeirinhos na região insular de Belém”. Vania também coordena os projetos “Saneamento Indígena: um novo olhar por meio de tecnologias sociais” e “Influência dos Processos Hidrodinâmicos sobre as Trocas de Carbono e Nitrogênio no Sistema Estuarino do rio Pará”, todos associados ao programa LBA.  

A equipe de pesquisadora também desenvolveu um protótipo do sistema implantado nas comunidades, que já está exposto na Casa do Saneamento, localizada na sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em  Belém, até o final da  30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP30), no dia 21 de novembro. “Diante do contexto de escassez de água potável, principalmente em comunidades ribeirinhas amazônidas, pensar em tecnologias que utilizem a água da chuva são soluções baseadas na natureza que podem trazer diversos benefícios a essa população”, pontua a pesquisadora. 

 Contexto amazônico

Muitas comunidades da Amazônia ainda carecem de energia elétrica e saneamento básico adequado. Segundo o Painel Saneamento Brasil do Instituto Trata Brasil, em 2023, 39,1% da população da região norte não tem acesso à água tratada, e foram registrados 33, 5 mil internações por doenças relacionadas à água contaminada. 

Em Barcarena, onde está localizada a Ilha das Onças, a prefeitura fornece água por meio de embarcações, mas a distribuição é insuficiente e irregular. “Para contornar esse problema, os moradores da ilha, principalmente as mulheres,  precisam se deslocar para coletar água de rio sem tratamento para o consumo humano ou, se deslocar até Belém, para a compra de água”, explica.  

Além do esforço físico, há riscos à segurança e à saúde. “Os moradores que passaram a consumir a água da chuva depois que os sistemas foram instalados, relataram melhoras na saúde, com redução de deslocamentos para a capital em busca de consultas médicas. Além das implicações de saúde, há grandes implicações econômicas e sociais, já que os moradores poupam custos com transporte e medicamentos, e têm disponibilidade para exercerem outras atividades com segurança e bem-estar”, relata Vania.

Tratamento e qualidade da água

O tratamento da água é feito pela própria comunidade, com duas gotas de hipoclorito de sódio por litro d’água e filtragem com vela de carvão ativado.

A equipe analisou amostras coletadas entre outubro de 2022 e junho de 2023 em sete residências da Ilha das Onças e uma unidade de controle em Belém, comparando parâmetros físico-químicos antes e depois do tratamento.

Os resultados mostraram que a água tratada atende aos padrões de potabilidade para consumo humano recomendados pelo Ministério da Saúde. “O pH da água de chuva tratada apresentou valor muito próximo de 6,  o que é recomendado pelo Ministério da Saúde, ela se mostrou cerca de treze vezes menos ácida do que as marcas de água comercializadas e avaliadas na região, além de apresentar menores valores de condutividade elétrica. Ou seja, quanto a esses parâmetros, a água de chuva tratada demonstrou possuir qualidade muito superior às águas comerciais”, explica. 

A condutividade elétrica é um indicador operacional da quantidade de íons dissolvidos na água. A pesquisadora explica que não há uma faixa de valor recomendado pelo Ministério da Saúde que indica água potável, mas quando apresenta valores elevados, indiretamente, aponta algum tipo de contaminação, por isso, precisa ser continuamente monitorada. 

Para manter a água adequada ao consumo humano, a equipe recomenda limpeza periódica no telhado, calhas e reservatórios de água a cada 30 dias, descarte do primeiro milímetro de chuva coletada, e seguir rigorosamente o protocolo de desinfecção e análise regular da qualidade da água. 

A pesquisadora salienta que para o sucesso da tecnologia, a educação em saúde e saneamento é essencial junto a população atendida aliada a boa disseminação de iniciativas desse segmento. “Se isso acontecer, passaremos a enxergar as soluções efetivas e eficientes que conciliam saberes tradicionais e científicos desenvolvidos dentro da realidade e dos problemas amazônicos. Implantar métodos clássicos de engenharia desenvolvidos para outras regiões muitas vezes, não são eficientes, sustentáveis e viáveis para o nosso contexto de fato”, enfatiza.